60 por cento dos problemas de visão em Portugal poderiam ser evitados com referenciação e tratamento

Deficiência Visual evitável em Portugal. Até quando a permitiremos? Foi este o mote para uma série de debates pela organizados pela Associação de Profissionais Licenciados de Optometria a assinalar o Dia Mundial da Optometria, onde  um painel de peritos multidisciplinar, nacionais e internacionais, e responsáveis políticos falaram a uma só voz em torno da necessidade de regulamentação da profissão de Optometrista e da urgência na implementação das recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS) com vista à melhoria do acesso a cuidados para a saúde da visão dos portugueses.


Neste evento em formato virtual, organizado pela Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO), especialistas da Organização Mundial de Saúde, da Administração Hospitalar e da investigação nacional e internacional, entre outros, debateram e refletiram sobre os desafios da saúde da visão no mundo e analisaram a insuficiência nacional de acesso aos cuidados para a saúde da visão, em particular. Estima-se que 2.2 mil milhões      de pessoas tenham problemas de visão, sendo que perto de metade destes casos poderia ter sido evitado com serviços preventivos e curativos para a saúde visual. E de acordo com Srinivas Marmarula, especialista do LV Prasad Eye Institute, “em 2050 1.7 mil milhões de pessoas viverão com deficiência visual e cegueira, e metade da população mundial terá miopia”.


Para inverter esta tendência, o OMS desenvolveu o programa Universal Eye Health, e apela aos governos que até 2030 aumentem em 40 por cento a cobertura efetiva do erro refrativo e em 30 por cento a cobertura de cirurgia à catarata. Para Silvio Paolo Mariotti, responsável desta entidade, os próximos passos passarão “pelo trabalho com os Estados-membros para desenvolver projetos piloto, encontrar recursos e financiamento para que todos os países, mesmo os menos desenvolvidos, possam começar a tratar a visão dos seus cidadãos e a monitorizar os resultados”.


No nosso país, acredita-se que 9     0 por cento dos casos de deficiência visual e cegueira poderiam ser evitados se referenciados e tratados atempadamente. Contudo, de acordo com Raúl de Sousa, Presidente da APLO, atualmente são “116 mil os utentes em lista de espera para a consulta hospitalar da especialidade de Oftalmologia”, num país onde há “desrespeito pelos tempos máximos de resposta garantida e uma total inexistência de cuidados primários para a saúde da visão”, sustenta.


Durante estes debates, foram vários os agentes da saúde em Portugal a querer contribuir com soluções para mudar esta realidade. Luís Lapão, investigador e docente de Saúde Pública Internacional no Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, lembrou o exemplo do sistema de saúde do Reino Unido onde “oftalmologistas e optometristas contribuem para sinalizar problemas e tratá-los”, e enfatizou a necessidade de “reformar os cuidados de saúde primários, trazendo mais áreas e mais profissionais, e especialidades como a saúde da visão”. Já Henrique Martins, médico especialista em Medicina Interna e Professor Associado no ISCTE-IUL, acredita nas mais-valias de “uma rede dividida em vários níveis de cuidados, onde as tarefas são feitas por quem estiver disponível e da forma mais eficiente para o cidadão”, e o Médico de Medicina Geral e Familiar Rui Nogueira defende a criação de “equipas de saúde da visão na comunidade, onde cabem os optometristas e também os oftalmologistas, em contacto permanente” para “resolver o problema crónico do acesso aos cuidados de saúde em visão em Portugal”.

Por fim, Alexandre Lourenço, Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, entende que “os serviços de saúde devem ser vistos como serviços e não como estruturas, devendo ser feitos onde for mais viável e conveniente para os cidadãos”.

Todos estes especialistas defenderam, paralelamente, a necessidade de regulação efetiva da profissão de Optometrista. Uma posição subscrita também pelos deputados da Assembleia da República que participaram nos debates da APLO. João Alves do Partido Comunista Português defendeu que a optometria “deve ser regulada e os optometristas devem estar representados no Serviço Nacional de Saúde e nos cuidados de saúde primários, onde são muito necessários”. Já Pedro Alves do Bloco de Esquerda vincou que “não é possível continuar a desconsiderar a saúde dos portugueses, numa profissão que tem formação superior a ser ministrada, que tem profissionais de qualidade e que pode ser posta em causa pela falta de regulamentação”. O Partido Ecologista “Os Verdes” também marcou presença através da deputada Ana Calado, que lembrou “o projeto de resolução da profissão de optometrista” subscrito pelo partido, e espera que esta iniciativa legislativa “abra o caminho para a regulamentação” da profissão.  

O conhecimento e a evidência existem e são incontornáveis. As recomendações são claras e os recursos estão disponíveis para evitar que mais uma única pessoa sofra de deficiência visual ou cegueira evitável. A resposta à pergunta em debate foi consensual: as recomendações são claras, as soluções existem, mas continuaremos a permitir a deficiência visual e cegueira evitável em Portugal, enquanto não houver vontade política para efetuar a mudança.

Sobre a APLO

A Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO) representa os Optometristas, a maior classe profissional de prestadores de cuidados para a saúde da visão, em Portugal. Atualmente conta com cerca de 1.295 membros. A APLO é membro Fundador da Academia Europeia de Optometria e Ótica, membro do Conselho Europeu de Optometria e Ótica e membro do Conselho Mundial de Optometria. Para mais informações, consulte: www.aplo.pt