Não há cobertura universal de saúde sem saúde da visão

Raúl de Sousa – Presidente da APLO e Perito do Grupo Externo de Revisão da Tecnologia Assistida na Área da Visão da OMS

A inexistência de cuidados primários para a saúde da visão no Serviço Nacional de Saúde (SNS), as gigantescas e perversas listas de espera para consulta hospitalar da especialidade de oftalmologia no SNS, uma força de trabalho mal planeada com exclusão dos optometristas, práticas ultrapassadas e uma total ausência de estratégia, planeamento ou concertação, constituíam já uma receita para o desastre no ano de 2018, quando se formou uma Comissão para a elaboração de uma Estratégia Nacional para a Saúde da Visão.


Basta pensar nos 163.569 portugueses que sofrem de deficiência visual e cegueira legal, sendo a maior causa de deficiência em Portugal entre os recenseados no ano de 2001. Ou, tal como ilustrado pelo Inquérito Nacional de Saúde de 2014, uma em cada duas pessoas com mais de 65 anos, descreve dificuldades em ver, mesmo usando óculos.

A luta contra a deficiência visual e cegueira evitável foi, e continuará a ser, uma batalha perdida pelo SNS, caso uma verdadeira estratégia não for adotada.

Os cuidados primários para a Saúde da Visão não constam, aparentemente, das prioridades do Governo para os próximos anos. Nem no Plano de Recuperação e Resiliência nem nas Grandes Opções do Plano 2021-2025, tornados públicos recentemente pelo Executivo, é possível identificar propostas concretas para a resolução dos problemas de visão dos portugueses.

A saúde da visão é uma componente essencial da cobertura universal de saúde, deve ser incluída no planeamento, definição de recursos e prestação de cuidados de saúde. A cobertura universal de saúde não é universal sem cuidados para a saúde da visão acessíveis, de qualidade e equitativos. Em linha com o relatório mundial da OMS sobre a visão, exorta-se todos os países, incluindo Portugal, a considerarem os cuidados para a saúde da visão como essenciais dentro da cobertura universal de saúde.

Para assegurar cuidados de saúde abrangentes, incluindo promoção, prevenção, tratamento e reabilitação é necessária uma ação intersectorial coordenada, para melhorar de forma sistemática e definitivamente a saúde da visão da população, assim como em iniciativas de envelhecimento saudável e literacia para a saúde da visão, nas escolas e locais de trabalho.

No que respeita aos cuidados para a saúde da visão, este é um SNS que sofre de cegueira seletiva às soluções existentes e nega o desenvolvimento do potencial das crianças, a produtividade aos adultos e a qualidade de vida aos mais idosos.

Mais de noventa por cento da deficiência visual e da cegueira é evitável, desde que assim o queira o SNS e o Ministério da Saúde.