Saúde da visão das crianças e dos jovens
Artigo de Opinião de Raúl Sousa, presidente da Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO)
A visão, à semelhança do que acontece em qualquer idade, afeta muito as crianças e os jovens. Se tivermos em conta que 80% da informação sobre tudo o que nos rodeia chega através da visão, podemos deduzir a sua importância no processo de aprendizagem. Estudos realizados afirmam que 3 de cada 4 fracassos escolares podem dever-se a problemas de visão. Uma saúde visual debilitada pode condicionar várias vertentes da vida infantil, seja a nível escolar ou até mesmo social. Existe até a possibilidade de se constituir como uma barreira ao seu desenvolvimento intelectual.
Neste sentido, várias são as doenças que tendencialmente se manifestam nas crianças e jovens e que podem trazer consequências severas para a sua saúde da visão. Desta forma, é muito importante que as crianças sejam acompanhadas desde cedo para que possíveis problemas sejam atempadamente diagnosticados e corrigidos. Quanto mais cedo for detetado maiores são as probabilidades de os problemas de visão serem corrigidos.
Assim, é necessário estar atento a vários sintomas ou comportamentos que podem ser indícios de algum problema com a visão da criança ou jovem.
Ver bem nem sempre é ver com nitidez. Uma criança com uma boa acuidade visual pode apresentar alterações de organização visual. Estas alterações respondem a todo um conjunto de habilidades tais como a adequada coordenação olho-mão, a capacidade de mover os olhos de forma precisa, a possibilidade de usar uma focagem rápida e flexível ou a capacidade de calcular distâncias sem esforço.
Os pais podem testar o comportamentos das crianças, tendo em atenção se esta se aproxima muito para desenhar ler ou escrever, se se aproxima muito da televisão, se inclina a cabeça para ver televisão, se ao ler segue o texto com o dedo, se tem dificuldades de concentração, se esfrega os olhos com muita frequência, se semicerra os olhos para ver ao longe, se se queixa de dores de cabeça ou ardor nos olhos. No caso de a criança ou jovem ter alguns destes comportamentos poderá ser indicativo de algum problema visual.
Neste seguimento, existem doenças mais propensas a desenvolverem-se durante a infância e que são igualmente importantes de referir.
A ambliopia ou olho preguiçoso consiste na diminuição da acuidade visual de um olho ou dos dois devido a problemas no desenvolvimento da visão, afetando principalmente as crianças. As suas principais causas de ambliopia são o estrabismo, o erro refrativo ou diferença de graduação entre os olhos (anisometropia) e a obstrução do eixo visual.
Em casos de ambliopia menos severa, pode ser necessário o uso de óculos com graduação para correção de erros refrativos. Nos casos mais graves, pode estar indicada a cirurgia precoce para permitir a estimulação do córtex visual. Caso o “olho preguiçoso” não seja precocemente diagnosticado e tratado pode tornar-se irreversível e levar à perda de visão numa idade mais avançada.
O estrabismo que, como referido acima, é uma das principais causas de ambliopia, consiste na ausência de alinhamento entre os olhos. Os olhos devem estar orientados para o mesmo ponto de fixação, em todas as posições e movimentos.
Em condições normais, os músculos que fazem mover os olhos trabalham de forma coordenada, uma vez que o cérebro funde as imagens dos dois olhos e as interpreta como uma só. Se os olhos não se dirigem exatamente para o mesmo ponto de fixação, o cérebro perceciona duas imagens do mesmo objeto que não consegue fundir e a criança acaba por ter visão dupla. O estrabismo, para além de impedir a perceção tridimensional, pode levar a que o olho desviado perca, ou não desenvolva, função visual. Isto porque o cérebro poderá optar por eliminar a mensagem do olho desviado para não estar em constante duplicidade de estímulos.
O estrabismo aparece quase sempre em idade infantil, mais frequentemente nos primeiros anos, e pode estar presente à nascença. Quando há suspeita de estrabismo é necessário realizar um exame optométrico para excluir a presença de lesões orgânicas, prescrever a correção ótica necessária, detetar e tratar precocemente a ambliopia e se necessário encaminhar para Oftalmologia para ser avaliada a possibilidade de correção cirúrgica.
O teste mais vulgar para detetar um estrabismo é o cover test , em que se chama a atenção da criança para um objeto e se vê se os olhos estão a olhar na direção do mesmo. Tapando alternadamente um dos olhos, observa-se se algum deles se desvia para retomar fixação. O exemplo de um teste para aferir a noção de profundidade é o teste de esteroacuidade da “Mosca de Titmus”, em que a criança tem uns óculos especiais e um cartão com a imagem de uma mosca de asas abertas. Perante a indicação de agarrar as asas da mosca, se tiver visão tridimensional, a criança vai tentar apanhar as asas da mosca acima do plano do cartão, caso contrário, vai apanhar a asa da mosca no plano do cartão.
É ainda importante referir a miopia. A miopiaaparece, salvo raras exceções, associada ao curso de desenvolvimento da criança, uma vez que o crescimento ocular e o crescimento geral são fenómenos associados.
Os míopes caraterizam-se por verem mal ao longe e relativamente bem ao perto. Uma vez que a sua visão se faz por meio de círculos de difusão, para diminuírem o diâmetro e o espaçamento destes círculos, estes tendem a fechar um pouco as pálpebras. O que permite formar uma fenda estenopeica, aumentando a profundidade de foco e consequentemente que estes consigam ver melhor.
A deteção da miopia pode-se verificar através das técnicas de esquiascopía, refractometria ou refração subjectiva (método refrativo em que o resultado final depende da resposta do paciente).
A compensação de miopia é feita com o auxílio de lentes côncavas (lentes negativas). Essas lentes podem ser oftálmicas (lentes para óculos), de contacto ou até mesmo intra-oculares (lente introduzida dentro do olho através de intervenção cirúrgica).
Para além das doenças até agora referidas, existe também a hipermetropia. A hipermetropia é a dificuldade em ver ao perto e relativamente bem ao longe. Consiste no estado de refração ocular em que um feixe de raios de luz paralelos ao atravessarem a córnea, obtém o seu foco imagem para além da retina. A hipermetropia é, por assim dizer, o contrário da miopia.
Existem algumas causas que conduzem à existência de hipermetropia, mas é importante referir que todos os recém-nascidos são hipermetropes devido ao pequeno comprimento sagital do olho. No entanto, essa ametropia tende a desaparecer naturalmente com o crescimento.
Uma criança ou jovem com hipermetropia tem geralmente dores de cabeça mais acentuadas durante a sua idade escolar.
A hipermetropia é detetável, tal como as outras ametropias, pelos efeitos produzidos pela esquiascopía (exame executado com o retinoscópio), pela refratometria ou pelo exame subjetivo da verificação da acuidade visual.
O astigmatismo é o estado de refração ocular em que a visão é distorcida. É provocado pela diferença de poder refrativo ao longo dos diferentes meridianos do olho, o que faz com que raios paralelos atravessem o olho mas não vão ter um único ponto focal.
Os sintomas do astigmatismo variam consoante a gravidade do mesmo. Assim, nos casos que apresentam pequeno grau astigmático, pode haver apenas cansaço visual devido ao esforço para obter uma imagem mais nítida. No entanto, podem existir outros sintomas como ter tendência para franzir o sobreolho, a fim de obter o efeito de fenda estenopeica, ter cefaleias provocadas pelo esforço acomodativo e pela contração do sobreolho, ter dificuldade em encarar a luz e apresentar um de estado de irritação conjuntival acompanhado de picadas.
O astigmatismo compensa-se com lentes oftálmicas cilíndricas. No entanto, é impossível a correção de astigmatismos irregulares com lentes cilíndricas oftálmicas devido a deformação e multiplicidade dos meridianos existentes. Assim, por vezes, é necessário recorrer a lentes de contacto para corrigir este tipo de astigmatismos.
A ambliopia, o estrabismo, a miopia, a hipermetropia e o astigmatismo são, então, doenças relevantes e às quais os pais e educadores devem estar particularmente atentos. Caso seja adotada uma atitude preventiva estas são doenças que podem ser controladas e corrigidas desde logo, evitando a evolução da doença. No caso da ambliopia, a deteção precoce pode mesmo vir a prevenir a perda de visão: atualmente 3% da população tem ambliopia e corre risco de cegar. Relativamente, às restantes doenças, ainda que não impliquem perda de visão, significam uma perda de qualidade de vida do jovem e do futuro adulto.
No âmbito da saúde visual infantil, a Associação de Profissionais Licenciados de Optometria (APLO) tem-se associado a iniciativas e vindo a realizar inúmeros esforços. A nível nacional está atualmente a desenvolver uma campanha para melhorar a saúde visual das crianças em idade escolar, promovendo a consciencialização para a importância de uma visão saudável e dos rastreios. Esta campanha tem como objetivo não só sensibilizar crianças e pais, mas também alertar professores e educadores para possíveis sinais de ambliopia e das restantes doenças.
A nível internacional, a APLO é parceira da campanha global Our Children’s Vision. Uma iniciativa global que pretende aumentar, acelerar e expandir os cuidados de saúde visual infantil. A campanha está a trabalhar para fornecer cuidados para a saúde da visão a 50 milhões de crianças até 2020.